A Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, através da sua Regional no Rio Grande do Sul (RFS RS), vem manifestar e informar sobre a situação de calamidade social e climática no estado.
Todo o país sabe da situação de calamidade pública no Rio Grande do Sul (RS), o desastre, que tem mobilizado o país com doações e movimentações para resgate de pessoas que seguem ilhadas, começou na última sexta-feira (3). As tempestades dos últimos dias colocaram os níveis dos rios e barragens de diversas regiões em estado crítico. Até o momento,85% dos municípios gaúchos foram afetados.
Uma semana após a primeira morte registrada, a inundação do RS já faz parte da lista de maiores tragédias causadas pelas chuvas no país. O número de pessoas mortas, feridas, desaparecidas, desabrigadas, fora de suas casas ou em abrigos é constantemente atualizado, visto que ainda não há acesso a alguns locais. Estima-se que o temporal tenha atingido pelo menos 1,4 milhão de pessoas. O estado está em alerta com a chegada de uma frente fria nos próximos dias, provocada por um ciclone extratropical. Além da previsão de ventos fortes e alto volume de chuva até domingo, a temperatura pode cair bruscamente e registrar 5 graus.
O que está acontecendo no estado hoje é a nossa nova realidade e não uma “triste exceção”.
O RS, pela sua localização geográfica, é particularmente sensível aos fenômenos naturais como El Niño e La Niña. É relativamente comum a alternância de secas e chuvas intensas na região e o aquecimento global, potencializado pelo desmatamento vem piorando isso.Cientistas já previram isso há algum tempo e essa nova realidade não deveria nos surpreender. No ano passado, o RS já tinha sido o estado com o maior número de decretos de situação de emergência e de calamidade pública relacionados à chuva no Brasil. As tragédias consecutivas que se acumulam desde de 2023 não se deram por falta de aviso.
Ontem estava ruim, hoje está péssimo e amanhã deve ser horrível.
Estamos vivendo uma situação em que não é possível entrar ou sair de algumas cidades que ou estão completamente alagadas ou soterradas ou sendo evacuadas constantemente. Precisamos urgentemente de ajuda!
Importante salientar que as pessoas mais afetadas no RS são historicamente negligenciadas e já necessitavam de muito apoio e políticas efetivas. A conjuntura da crise climática trouxe o agravamento destas situações de desproteção social.
Os territórios que hoje são afetados pela água são atravessados por falta de políticas públicas efetivas, o que neste momento, se agrava e intensifica.
Há preocupação com o aumento da violência contra mulheres e meninas, como ocorreu na pandemia, e costuma ocorrer em todas as crises sanitárias, climáticas, desastres e guerras. As integrantes da RFS RS tem acompanhado relatos das regiões afetadas que estão sendo assoladas por inúmeros problemas, tais como: falta de água e luz em residências e espaços públicos, bem como, em hospitais; a disseminação de fake news; crianças e adolescentes estão passando por eventos traumáticos, separados das famílias por uma desorganização e falta de planejamento de cuidado e atenção; situações de violências diversas (furtos, roubos, etc.); violência de gênero nos abrigos, tais como, assédio e violência sexual.
O CEDIM do RS já denunciou que nos abrigos criados emergencialmente vem ocorrendo casos de violência de gênero, como assédio e violência sexual, em razão da precariedade desses espaços e da ausência de protocolos, além da improvisação. Foram realizadas prisões em diferentes abrigos na região metropolitana de Porto Alegre, com vítimas menores de 18 anos. Alguns dos estupros relatados eram de relações de homens adultos em “união estável” com as meninas de 10 e 12 anos1, realidade perversa que há muito tempo nós, do movimento feminista, temos denunciado. Várias cidades já organizam abrigos apenas para mulheres e crianças.
Tem meninas sendo estupradas em abrigos, tem mulheres sem acesso a aborto legal e sem rede de apoio, tem mulheres em situação de violência que perderam a rede de proteção, proteger as mulheres e meninas é urgente!
A Defensoria Pública do Estado do RS e os Conselhos Tutelares dos municípios atendidos, estão à frente do cuidado das crianças e adolescentes buscando centralizar as informações para manter os vínculos familiares que são fundamentais neste momento.
Os serviços de acolhimento institucional que se encontram nos territórios afetados, estão agindo de forma urgente e emergente. Temos relatos sérios e seguros de que as crianças e adolescentes que precisaram ser deslocados por mais de duas vezes para encontrar territórios seguros e confiáveis, precisam urgentemente de lanternas, leite, fraldas e brinquedos, para que sigam o trabalho de cuidado e atenção. São serviços fundamentais para a atenção das famílias atingidas.
Os abrigos devem garantir banhos e materiais de higiene, mas também precisam de calcinhas (doações novas ou higienizadas), absorventes higiênicos, testes de gravidez, contraceptivos, preservativos e fraldas.
A realidade se impõe.
A crise climática precisa ser o foco das políticas públicas, dos planos econômicos e dos planejamentos estratégicos de infraestrutura. As cidades terão de ser reconstruídas e não dá para fazer as obras e as políticas públicas do jeito que elas sempre foram feitas. É preciso considerar que o clima é outro. Assim como não dá mais para eleger pessoas que não tenham como diretriz estruturar o país, os estados e municípios para proteger suas populações do que está por vir, sempre com base na ciência.
Que essa tragédia terrível esteja nas mentes de todas, todos e todes nós nas próximas eleições.
É pela vida das mulheres, das meninas e de pessoas que gestam!
Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
Porto Alegre, 9 de maio de 2024.
1 https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2024/05/08/estupros-abrigos-prisoes-chuvas-rs.htm